Desabafos

quinta-feira, 12 de março de 2015

E se eu te amar...

Quero amar-te como os meninos que jogam à bola na rua num final de tarde de verão, como se nada mim existisse para além

da infância que se distancia da amargura que faz da minha mente refém.
Refém da obscuridade dos pensamentos que ocasionalmente por mim passam sem avisar e me deixam incapaz de raciocinar... e não há algo que me deixe mais angústia que não saber a origem real dos meus actos. Não, a emoção não é a resposta: esse é o raciocínio errado da maior parte dos que julgam amar.
Porque para mim parte de amar é saber usar a razão: amor que é sentido unicamente com as emoções é meio caminho andado para a desilusão. Pelo menos é o que toda a gente sabe, mas raros pretendem saber. Porque a emoção prende-nos a uma realidade que nem existe... e amor que não é livre, não é amor, não passa de uma outra coisa qualquer.
Se pensar em te amar, que seja agora: longe das perspectivas incertas, do medo inoportuno, das noites em que não durmo a pensar num dia que ainda nem sei se pode existir, ou se te vou ver.
E se não te amar assim, nem vale a pena tentar.

domingo, 8 de março de 2015

Notícias de imprensa

O seu nome era Francisco Pereira, um senhor da casa dos trinta, alto, com um ar ponderado e misterioso. Cada vez que passava pela nossa imprensa, parecia que queria entrar ali, que lhe faltava qualquer coisa. Eu fingia que não o via, embora fosse bastante complicado não reparar naquela classe.
Todos os dias, pelas nove e meia da manhã, lá estava ele do outro lado da estrada à espera que o sinal verde o permita de passar, olhando para o relógio constantemente enquanto fazia ritmos na perna com a mão que estava livre no momento. Eu reparei porque já fazia uns três meses que o tinha sobre mira, embora nunca desse nas vistas: a arte de saber olhar de esguelha, nestes momentos dá imenso jeito. Quando ele chegava ao lado de cá, a primeira coisa com que se deparava era com a nossa imprensa (que tinha um vidro transparente), estava mesmo em frente, e ao chegar-se mesmo perto eu sentia o olhar dele em cima da minha pele, como se estivesse atenta à direção do seu olhar. Talvez fossem artimanhas das minhas hormonas aos saltos, não sei... 
Um dia, para meu espanto, ele decidiu entrar. Lembro-me como se fosse ontem: quando o senti a aproximar-se do vidro e ouvi o sininho na porta que dava o sinal que alguém entrara naquele momento, o meu coração ou bateu muito, ou parou ali: um mar de sensações me atingiu de tal forma, que duvidei se continuava viva. Eu, subtil, rapidamente remechi uns papéis ao calhas, entornei café para cima da minha camisa rosa pálida e ao levantar-me para ir buscar um lenço ou qualquer coisa, tropecei no candeeiro. O senhor, preocupado mas com um ar de quem está prestes a rebolar no chão de tanto rir, corre até mim e pergunta se está tudo bem. Rapidamente me levantei, ajeitei a camisa toda esborratada de café, fiz um sorrisinho bastante envergonhado e anuí com a cabeça. 
Entretanto, ele diz ter uma coisa para mim. Entrega-me uma folha muito bem dobrada, faz um sorriso simpático e assume ter de ir, pois acho que estava atrasado para o trabalho. Eu nunca sentira tanta vergonha na minha vida como naquele dia: a minha colega, mal ele saíu, apontou para mim enquanto dava aquela gargalhada irritante dela e batia sucessivamente na perna, para dar ênfase no gozo. Ela era irritante, mas simpática e prestável: estava na área da moda. Uma vez ela disse que tinha um desejo escondido de criar um artigo totalmente ridículo, apenas para ver quem caía. Ela nem se atreve, sabia bem que era varrida dali, se bem que a ideia é bastante engraçada.
Rapidamente sentei-me na secretária e fui ler o que lá estava escrito. A cusca da minha colega tentou ver, mas levei o papel contra o peito, olhando-a com um ar ameaçador. Ela desapontada, volta ao seu lugar. Quando fui ler o papel, bastante ansiosa, nem quis acreditar: "Bom dia. A senhora mora na Rua dos Clérigos e tem um peogeut 308 cinzento escuro? É o seguinte: já ando há imenso tempo para lhe dizer que acidentalmente bati no seu carro, mas não tive coragem. Desculpe a demora... Está aqui o meu número, com todo o gosto gostaria de ir beber café consigo: não só por isto, mas porque desde que a descobri que a achei encantadora e uma rapariga interessante de se conhecer. Sem mais demoras, Francisco Pereira.".
Tanto estava feliz, como furiosa: afinal foi ele que bateu no meu carro há três meses atrás... Bem me parecia que o conhecia de algum lado. O que vale é que ele me parece boa pessoa, senão ele bem podia ir beber café sozinho! 
No dia seguinte eu liguei-lhe. Passadas horas de conversas a fio sobre a vergonha do país e dos desastres mundiais, lá acabei por aceitar o tal convite. Parecendo que não, há males que vêm por bem.