Desabafos

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Por uma âncora

Talvez o problema não estivesse nele, nem no que ele fez. Aliás, do que nós fizemos. Nem mesmo estava naquele trocadilho de palavras inútil que tanto criavamos apenas porque sim. Tantas palavras vazias que foram para dentro do saco. E no entanto o problema não estava em mais lado nenhum a não ser em mim. Nem sempre o erro está no fazer mal ao outro ou deixar de fazer, mas em iludirmo-nos que está certo manter. O melhor era mesmo deixar partir por aquelas águas de rumo, a meu ver, infinito. Tanto tempo que deixei a âncora a prender tudo isto, que acabei por também me prender lá, como se me tivesse tornado refém de mim mesma. Por sorte a corrente partiu-se, dando a hipótese de libertar-me, vendo o que prendera ir-se embora sem esperar por mim. Não havia volta de ir atrás, nem mesmo de a fazer voltar. Mesmo assim nem me apercebera so alívio, então ali fiquei uns bons meses a lamentar as histórias futuras que não aconteceram. Só me restava libertar a corrente do meu pulso e afastar-me daquela praia fria e ventosa, mas eu só queria estar ali. Nada nem ninguém me arrancou dali, nem quando me chamavam para ir dar um passeio de fim de tarde. Parecia que o que navegara pelas águas gerou o começo do fim, como se já nada me restasse, como que já não tivesse mais vida pela frente nem mesmo mais manhãs para andar de bicicleta com uns amigos. Mal eu sabia que naquelas correntes presas aos meus pulsos encontrava-se a minha cegueira e os meus medos. Talvez soubesse, mas não queria saber: alguma coisa de mim dali se foi, como se estivesse em parte morta.
Tanto que me fartei de ali ficar que acabei por ir buscar um casaco a casa. Ao chegar, o conforto tornou-se tal que nem me apeteceu voltar àquela praia. Ali juro que nunca mais voltei, nem mesmo para espreitar. Ao longo dos tempos as correntes foram saindo dos meus pulsos, e quando cairam de vez guardei-as numa caixinha dentro do roupeiro, para não haver hipótese de as voltar a prender. Foi o maior alívio de todos os tempos e parecia que tudo voltara a estar equilibrado, sem sequer me dar conta do que se passou antes. Não passou de um mau momento.

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